Um olhar sobre o conto machadiano “Vênus! Divina Vênus!”, à luz da onomástica
Renata Bomfim- UFES
Renata Bomfim- UFES
Resumo:
A onomástica é objeto de estudo desde a Antigüidade e na atualidade é recurso privilegiado na construção literária. O jogo onomástico machadiano, enriquecido pela ironia e ambigüidade, fascina e convida à decifração. Este artigo pretende, à luz da onomástica, analisar os principais personagens do conto “Vênus! Divina Vênus”, assim como os possíveis atravessamentos e implicações dos mesmos na trama do texto. Será utilizado, como pano de fundo para a análise do conto, o mito de Eros e Psique.
Palavras-chave: onomástica, significado, mito, rito.
O termo onomástico[1] em do grego onomastikós, e significa relativo aos nomes próprios ou ao seu estudo. Mas o estudo da onomástica encontra registro desde a antiguidade. Em Crátilo, Platão, já discutia a natureza e a justeza dos nomes.
A onomástica é objeto de estudo desde a Antigüidade e na atualidade é recurso privilegiado na construção literária. O jogo onomástico machadiano, enriquecido pela ironia e ambigüidade, fascina e convida à decifração. Este artigo pretende, à luz da onomástica, analisar os principais personagens do conto “Vênus! Divina Vênus”, assim como os possíveis atravessamentos e implicações dos mesmos na trama do texto. Será utilizado, como pano de fundo para a análise do conto, o mito de Eros e Psique.
Palavras-chave: onomástica, significado, mito, rito.
O termo onomástico[1] em do grego onomastikós, e significa relativo aos nomes próprios ou ao seu estudo. Mas o estudo da onomástica encontra registro desde a antiguidade. Em Crátilo, Platão, já discutia a natureza e a justeza dos nomes.
Na escrita machadiana, a onomástica é recurso privilegiado, os nomes condensam variadas possibilidades de sentidos e ambigüidades. Em “O que há num nome?”, Hellen Caldwell aborda esta questão selecionando variados nomes contidos em obras machadianas, estudando-lhes os significados e correlacionando-os com personalidades da história e da literatura. Para esta autora, “Machado não nomeia seus personagens ao acaso” e um estudo de seus romances e contos revela sua destreza nesta matéria (CALDWELL, 2002, p.55).
Variados recursos onomásticos são utilizados por Machado como, por exemplo, o emprego de sobrenomes portugueses que remetem a figuras proeminentes dos primórdios do Brasil colonial, e os prenomes que remontam ao calendário dos santos, como se espera de um país católico.
O conto “Vênus! Divina Vênus!”, embora não seja um dos contos mais conhecidos de Machado de Assis, dialoga outras obras do autor a partir de algumas temáticas e nomes, como por exemplo o triângulo amoroso, o conflito entre o sagrado e o profano e questões relacionadas às diferenças e conflitos entre grupos sociais.
Este artigo lança um olhar sobre os personagens centrais do referido conto, à luz da onomástica, assim como, sobre a trama que se desenrola a partir da inter-relação entre os mesmos, desvelando características psicológicas e sociais embutidas nos nomes.
Podemos encontrar o tema do triangulo amoroso em variadas obras machadianas, entre eles os célebres Sofia/ Cristiano Palha e Rubião, do romance Quincas Borba; Bento Santiago/ Capitu e Escobar, do romance Dom Casmurro; Virgília/ Lobo Neves e Brás Cubas do romance Memórias Póstumas de Brás Cubas. No conto em questão falaremos do triângulo constituído a partir de Ricardo, jovem poeta e herói da história, de Maria dos Anjos, sua mãe, que abomina a idéia de uma nora, pois o quer só para si e; das jovens moças pelas quais Ricardo se apaixona e dedica seus poemas, sempre comparando-as a Vênus de Milo, seu modelo ideal de mulher.
Outro tema recorrente é a questão da divisão e conflitos entre classes, com aquela “pitada de ironia” Machado recria o mundo carioca, denunciando uma sociedade pautada em títulos e apadrinhamentos. Este aspecto pode ser percebido logo no início do conto, onde a situação social e financeira da família de Ricardo é descrita, assim como, no preconceito por parte de Maria dos Anjos, sua mãe, em relação à Marcela, primeira paixão do rapaz: “Ela é filha de doutor, não há de querer lavar nem engomar”.
Ricardo também reproduz o preconceito de que é vítima, quando aconselhado pela mãe a se casar com Felismina, sua prima, lhe diz: “— Ora, mamãe! Felismina! — Não é rica, é pobre... O primeiro amor de Ricardo, Marcela, casa-se com Maciel, um jovem médico e tenor baiano e Virgínia, sua segunda paixão, a quem Ricardo pretendia pedir em casamento, era filha de um tabelião e casa-se com o bacharel Vieira.
Percebe-se que as jovens por quem Ricardo se interessa sempre acabam casando-se com fidalgos. No decorrer da história percebe-se a jornada de Ricardo, em busca de um outro lugar social, a partir da identidade que lhe é possível, a de poeta, visto que não possui padrinhos ou títulos.
Segundo Antenor Nascentes (1952, p.261), Ricardo é um prenome de origem germânica que combina os elementos “rik” (significando rei, príncipe, senhor ou rico) e 'hardo' (significando príncipe, senhor forte) e, portanto, pode ser interpretado como forte comandante, também é prenome de inúmeras personalidades da história, como por exemplo, os reis da Inglaterra Ricardo I, Ricardo II e Ricardo III e Ricardo Coração de Leão. A origem germânica do nome Ricardo enuncia sua linhagem guerreira e conquistadora. Neste ponto, a perspicácia de machadiana pode ser percebida, pois e ele utiliza o nome de modo inverso e irônico.
Inicialmente, Ricardo não reflete a força de seu nome, ele é descrito como um jovem sonhador, vaidoso e acomodado, que não luta por aquilo que deseja, incapaz de vencer a própria timidez.
A história deste conto encontra paralelos no mito grego de “Cupido e Psique” inserido no romance Metamorfoses do escritor latino Lúcio Apuleio (BRANDÃO,1999, p.209).
A história deste conto encontra paralelos no mito grego de “Cupido e Psique” inserido no romance Metamorfoses do escritor latino Lúcio Apuleio (BRANDÃO,1999, p.209).
Junito Brandão de Sousa, descreve que o nome Psique, etimologicamente, em grego, significa princípio vital, sopro, é igualmente a alma personificada (1999, pág. 209). Cupido, nome romano do deus grego Eros, geralmente é representado alegoricamente como um menino alado e sem responsabilidades, ferindo a uns e a outros com suas flechas inflamadas, e sempre disposto a cumprir os desejo e caprichos de sua mãe, Vênus.
De acordo com Antenor Nascentes (1952, p.192), o nome de Maria é a transliteração em grego do hebraico Maryam, mãe de amargura, mar amargo, princesa do mar, é o nome da mãe de Jesus de Nazaré, que segundo a tradição cristã gerou virgem, sem a implicação do ato sexual. O conto Vênus! Divina Vênus! mostra que a mãe de Ricardo, Maria, já não tendo um homem a quem pertencer, fica ao encargo “dos anjos”, criaturas celestiais e assexuadas, fazendo jus ao seu nome. Muito embora seja dos anjos, Maria dos Anjos não é um anjo de candura, busca manipular e manter o filho sob seu domínio e tutela. Essa poderosa grande mãe, abomina a idéia de partilhar o amor do filho com outra mulher, ela quer o filho só para si.
No romance Dom Casmurro, encontramos uma outra Maria, esta, da Glória, que consagra Bentinho, seu filho, à igreja antes mesmo de ter nascido, e tenta obrigá-lo a seguir a vida de seminarista contra a vontade. Luiz Alberto Pinheiro de Freitas, em “Capitolina, a que ama no lugar do outro”, nos diz que o destino Bentinho começou a ser traçado sem a interferência paterna, este foi criado para ser padre o que significava em tese, para não ter mulher, ou seja, a única mulher da sua vida seria sua mãe (FREITAS, 2001, p.130).
No nosso conto, há a predominância do domínio materno e Ricardo que, “já não tem pai”, fica desprovido de uma imagem masculina a quem referenciar - se, sua referência é feminina, ou seja, é sua mãe e é também Vênus. E inspirado por estas fortes imagens femininas ele mantém-se em seu quarto, empenhado em sonhar com o amor e a escrever versos: “São sete e meia da manhã, e ele está escrevendo desde as sete horas”.
Embora seja filho de Maria dos Anjos, cuja madrinha é ninguém menos que “Nossa Senhora”, Ricardo é um pagão, um adorador de Vênus, neste aspecto, fiel à origem germânica do seu nome.
Maria dos Anjos, não aprova os arroubos poéticos do filho, à sua escrita ela chama “malditos versos”, sente-se ameaçada, pois os versos são o passaporte com o qual Ricardo consegue inserção em outros espaços e grupos sociais. O conto passa-se no ano de 1859, no bairro dos Cajueiros, Rio de Janeiro, e é domingo, Maria dos Anjos vai à missa, deixa o café pronto para filho e recomenda que este o tome antes que esfrie.
Maria dos Anjos, não aprova os arroubos poéticos do filho, à sua escrita ela chama “malditos versos”, sente-se ameaçada, pois os versos são o passaporte com o qual Ricardo consegue inserção em outros espaços e grupos sociais. O conto passa-se no ano de 1859, no bairro dos Cajueiros, Rio de Janeiro, e é domingo, Maria dos Anjos vai à missa, deixa o café pronto para filho e recomenda que este o tome antes que esfrie.
A primeira moça por quem Ricardo se apaixona e para quem ele escreve versos, mas não tem coragem de entregar, chama-se Marcela. O nome de Marcela, segundo Antenor Nascentes (1952, p.191), tem origem latina e significa marcial. Também designa uma erva da flora brasileira que tem propriedades calmantes, mas não é este o efeito que a moça exerce sobre o rapaz. Neste ponto do texto inscreve-se uma questão também recorrente nas figuras femininas machadianas, a vaidade e a sedução. Ciente de seus encantos e de seu poder de atração, Marcela conclama Ricardo a exaltar-lhe a beleza, ela o seduz, mas sem nada prometer: “Marcela perguntou-lhe logo com os olhos do costume: — Que tal me acha?
— Linda, angélica, respondeu Ricardo pelo mesmo idioma”.
— Linda, angélica, respondeu Ricardo pelo mesmo idioma”.
Para Luiz Alberto Pinheiro de Freitas, em “Sofia, metade gente e metade cobra”, ao nosso Machado não escapam as questões referentes às disputas narcísicas entre os homens e mulheres. Segundo o autor a sedução implica utilizar todos os meios para fazer com que o admirador se encante cada vez mais, que se entregue a uma admiração sem quartel, que fique avassalado ao outro (FREITAS, 2001, p.108).
A vaidade feminina e a sedução marcam outros personagens machadianos como: Genoveva, do conto Noites de Almirante, Marcela do romance, Memórias Póstumas de Brás Cubas, Sofia, do romance Quincas Borba, entre outras.
A devota mãe confessa a Ricardo ter rezado por ele na missa, e “pedido a Nossa Senhora, sua madrinha”, que acabasse sua paixão por “aquela moça”. Nesta passagem além de afirmar seu grau de intimidade, quase parentesco com a Santa, Maria dos Anjos reza, não para que o filho seja feliz, mas para que seu desejo prevaleça sobre o dele. A ideologia dominante da época machadiana mostra o casamento como meta das mulheres, percebemos aqui mais uma inversão, é Ricardo quem busca casar-se.
Vendo a obstinação de Ricardo em casar-se, Maria dos Anjos adianta-se e lhe escolhe uma noiva. Sugere que seja uma moça do seu nível social e, em especial, parecida com ela, essa moça é sua prima Felismina. Ricardo fica surpreso com a idéia da mãe, e utiliza o nome da prima como principal motivo que a desqualifica para o papel de sua esposa: “basta-lhe o nome; é difícil achar outro tão ridículo. Felismina!”. Para Ricardo, Felismina é o oposto de Marcela, enquanto a primeira “é um anjo”, a outra “é prosaica, tem o nariz comprido e os ombros estreitos, sem graça; os olhos parecem mortos, olhos de peixe podre, e fala arrastado. Parece da roça”.
Segundo Antenor Nascentes (1952, p.110), o nome Felismina está relacionado à feliz, assim como resulta da junção de dois outros, o primeiro, um adjetivo, feliz, que é sinônimo de alegria, prazer, júbilo, contentamento e representa um sentimento humano, não idealizado, o segundo é mina, com variados sentidos, pode designar tanto um dispositivo de guerra, algo explosivo, capaz de abalar e fragmentar estruturas sólidas, e por outro lado, significa um local rico em minerais, jazida, ou mina d’água.
Num dos recitais na casa do Dr. Viana, pai de Marcela, Ricardo é surpreendido com a notícia do noivado desta com um jovem médico e tenor baiano, Maciel, segundo ele “o diabo”. O nome Maciel, tem origem latina e significa tanto cortesão, pessoa de alta categoria social, homem da corte, quanto povoação de Portugal (NASCENTES, 1952, p.183). Este “diabo” a que Ricardo se refere, pode também ser associado à serpente que, da macieira convence Eva a provar o fruto proibido, deflagrando o pecado original. É também a serpente o símbolo da medicina. Este personagem mostra estar em consonância com o significado de seu nome, pois, soube cortejar Marcela adequadamente. Ricardo experimenta o sabor da derrota, o conto nos diz que após esta desilusão ele:
“Não foi logo para casa; vagou uma hora ou mais, entre o desânimo e o furor, falando alto, jurando esquecê-la, desprezá-la. No dia seguinte, almoçou mal, trabalhou mal, jantou mal, e trancou-se no quarto, à noite. A consolação única eram os versos, que achava lindos. Releu-os com amor. E a musa deu-lhe a força d’alma que a aventura de domingo lhe tirara”.
“Não foi logo para casa; vagou uma hora ou mais, entre o desânimo e o furor, falando alto, jurando esquecê-la, desprezá-la. No dia seguinte, almoçou mal, trabalhou mal, jantou mal, e trancou-se no quarto, à noite. A consolação única eram os versos, que achava lindos. Releu-os com amor. E a musa deu-lhe a força d’alma que a aventura de domingo lhe tirara”.
Refeito com ajuda da Vênus de Milo, Ricardo entrega-se novamente à paixão: “Amor cura amor. Todas tiveram a mesma madrinha — Vênus! Vênus! Divina Vênus!”.
Agora, enamorado de Virgínia, cujo nome significa jovem não casada, virgem (1952, p.317), Ricardo deseja “penetrar-lhe a casa”, e para tal apresenta-se como poeta ao pai da moça, um tabelião amante de fábulas: “Ricardo aturou toda essa rabugice do notário, para o fim de ser admitido em casa dele — cousa fácil, porque o pai de Virgínia tinha algumas fábulas antigas e outras inéditas e poucos ouvintes do ofício, ou verdadeiramente nenhum”.
Agora, enamorado de Virgínia, cujo nome significa jovem não casada, virgem (1952, p.317), Ricardo deseja “penetrar-lhe a casa”, e para tal apresenta-se como poeta ao pai da moça, um tabelião amante de fábulas: “Ricardo aturou toda essa rabugice do notário, para o fim de ser admitido em casa dele — cousa fácil, porque o pai de Virgínia tinha algumas fábulas antigas e outras inéditas e poucos ouvintes do ofício, ou verdadeiramente nenhum”.
Ricardo não se declarou diretamente para Virgínia, mas dava-lhe “versos às escondidas”, a moça guardava, depois os lia e agradecia.
Muito mimosos, dizia sempre.
— Eu fui apenas secretário da musa, respondeu ele uma vez; os versos foram ditados por ela. Conhece a musa?
— Não.
— Veja no espelho.
Ricardo esperava pedi-la ao pai em casamento assim que fizesse dezessete anos, mas Virgínia adoeceu “de moléstia grave”, ficando entre a vida e a morte, e foi para a casa da madrinha na Tijuca para recuperar-se. Lá, apaixona-se pelo sobrinho de sua madrinha, o bacharel Vieira, recém- chegado de São Paulo.
Muito mimosos, dizia sempre.
— Eu fui apenas secretário da musa, respondeu ele uma vez; os versos foram ditados por ela. Conhece a musa?
— Não.
— Veja no espelho.
Ricardo esperava pedi-la ao pai em casamento assim que fizesse dezessete anos, mas Virgínia adoeceu “de moléstia grave”, ficando entre a vida e a morte, e foi para a casa da madrinha na Tijuca para recuperar-se. Lá, apaixona-se pelo sobrinho de sua madrinha, o bacharel Vieira, recém- chegado de São Paulo.
Vieira, para Nascentes (1952, p.388), é um sobrenome de origem geográfica, ou topônimo, sob este aspecto, trata-se de um outro fidalgo, mas o Vieira também designa o nome de um molusco acéfalo, cuja concha os romeiros usavam como insígnia, no chapéu.
Esta nova desilusão atordoou completamente o rapaz que quase quebrou a Vênus de Milo e, “jurou não fazer mais versos e acabar com mulheres e musas” afinal, “que eram musas senão mulheres?”.
Esta nova desilusão atordoou completamente o rapaz que quase quebrou a Vênus de Milo e, “jurou não fazer mais versos e acabar com mulheres e musas” afinal, “que eram musas senão mulheres?”.
Notamos que a partir desta desilusão amorosa, Ricardo passa a ser menos fantasioso e pautar sua vida na realidade, primeiro passo para a vida adulta. Contou à mãe sobre sua decisão com referência as mulheres, sem entrar em pormenores, e a mãe de pronto aprovou.
Logo após estes acontecimentos Ricardo fica sabendo que a sua prima Felismina se casaria. Maria dos Anjos volta à cena, pedindo ao rapaz colaboração em dinheiro para comprar um “presentinho” para a noiva. Ricardo atende a solicitação e pergunta para a mãe com quem Felismina se casaria, a mãe lhe responde que seria “com um moço da Estrada de Ferro”.
Logo após estes acontecimentos Ricardo fica sabendo que a sua prima Felismina se casaria. Maria dos Anjos volta à cena, pedindo ao rapaz colaboração em dinheiro para comprar um “presentinho” para a noiva. Ricardo atende a solicitação e pergunta para a mãe com quem Felismina se casaria, a mãe lhe responde que seria “com um moço da Estrada de Ferro”.
Nosso herói Ricardo, agora, mais amadurecido pelas experiências e desilusões, vai tomando posse do significado do seu nome, e como um guerreiro germano, um Siegfried, lança mão de uma estratégia para conquistar Felismina. Faz amizade com o noivo, é agora um guerreiro com sentimentos, com alma, Ricardo passa a ter ciúmes da prima e não gosta que o noivo desta o chame de primo. A partir de então passa a sonhar com Felismina e a figura da prima o persegue.
Agora, fazendo jus ao seu nome, Ricardo dá continuidade ao seu plano, e parte para a conquista de sua felicidade. Aproveita a viagem do noivo de Felismina e vai visita-la todas as noites e, percebe que algo nele se modifica: “os olhos falavam, os braços, as mãos, um diálogo perpétuo, não espiritual, não filosófico, um diálogo fisiológico e familiar”.
Agora, fazendo jus ao seu nome, Ricardo dá continuidade ao seu plano, e parte para a conquista de sua felicidade. Aproveita a viagem do noivo de Felismina e vai visita-la todas as noites e, percebe que algo nele se modifica: “os olhos falavam, os braços, as mãos, um diálogo perpétuo, não espiritual, não filosófico, um diálogo fisiológico e familiar”.
Ricardo experimenta um despertar, seu poema, agora, está no corpo, Felismina não é mais uma imagem idealizada de mulher, ela é real, é a mina que explode e revela a Ricardo uma riqueza para além da do dinheiro e dos títulos: “— Felismina! Exclamava ele. O nome dela há de ser a chave de ouro. Rima com divina e cristalina”.
Familiaridade e pertencimento passam a fazer parte do universo de Ricardo, Felismina pode ser associada à figura de Psique, personagem do mito grego, que a partir de sua humanidade desencadeia uma série de transformações na família divina, humaniza os deuses e se diviniza, poderosa a ponto de fazer com que Cupido deixa de ser o “filhinho da mamãe” e passe a ser responsável por sua vida. Quanto ao apaixonado, Ricardo:
“sonhou que pegava da prima e subia com ela ao alto de um penedo,
no meio do oceano”. “Viu-a sem braços. Acordando de manhã,
olhou para a Vênus de Milo”:
— Vênus! Vênus! divina Vênus!”.
Num dos trechos do mito grego, Psique é levada para um rochedo onde pensa que se casará com um monstro, mas ela não sabe que se trata de Cupido, que ao tentar atingí-la com sua flecha, a mando de Vênus, feriu-se, ficando perdidamente apaixonado. Nesse ponto do mito começa a história do casal Cupido e Psique, quando terão que administrar a relação com Vênus, assim como administrar perdas e ganhos além de pagar um preço pela realização amorosa.
Desta vez Ricardo declara abertamente o seu amor a Felismina, que já o amava. Maria dos Anjos, sabendo que o filho desposaria a prima, pede-lhe explicações, afinal, “a moça estava prometida a um outro”, ela reprova a atitude do filho, e cobra que o contrato seja mantido. Ricardo não lhe dá explicações e os primos se casam. O conto narra que Ricardo “era todo para a realidade do amor”.
Após o casamento Ricardo conservou a Vênus de Milo, apesar da modéstia de Felismina: “E tu, criança amada, tão divina. Não és cópia da Vênus celebrada. És antes seu modelo, Felismina”. “Deixou de poetar”, apesar dos protestos de seus admiradores: “Então você não faz mais versos? — Não se pode fazer tudo, respondeu Ricardo, acariciando os seus cinco filhos”.
Ricardo ao fim do conto, provou ser digno de seu nome, lutou e pôde tomar posse de uma grande riqueza, a sua individualidade. Este conto reflete a destreza de Machado de Assis no campo da onomástica, assim como nos mostra que a interpretação e a análise de sua obra dificilmente se esgotarão.
Referências:
1. ASSIS, Machado de. Vênus! Divina Vênus!. NUPIL: Núcleo de Pesquisa em informática, literatura e lingüística da UFSC. Disponível em: <http://www.cce.ufsc.br/~nupill/literatura/divinavenus.htm>. Acesso em 15 nov. 2006.
BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia Grega. Vol II. ed. 10. Petrópolis - Rio de Janeiro: Vozes, 1999.
CALDWELL, Helen. “O que há num nome?”. O Otelo brasileiro de Machado de Assis. Tradução: Fábio Fonseca de Melo. Rio de Janeiro: Ateliê Editorial, 2002, p. 55-90.
FREITAS, Luiz Alberto Pinheiro de. “Capitolina, a que ama no lugar do outro”. Freud e Machado de Assis - Uma interseção entre Psicanálise e Literatura. Rio de Janeiro: Editora Mauad, 2001, p.122- 137.
NASCENTES, Antenor. Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa: Rio de Janeiro: São José, 1952.
6. PLATÃO. “Crátilo”. In Teeteto-Crátilo. ed. 3. Belém: EDUFPA: 2001.
[1] HOUAISS, Antônio. Dicionário Eletrônico Houaiss da língua portuguesa 1.0. 1 CD- ROM.
1. ASSIS, Machado de. Vênus! Divina Vênus!. NUPIL: Núcleo de Pesquisa em informática, literatura e lingüística da UFSC. Disponível em: <http://www.cce.ufsc.br/~nupill/literatura/divinavenus.htm>. Acesso em 15 nov. 2006.
BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia Grega. Vol II. ed. 10. Petrópolis - Rio de Janeiro: Vozes, 1999.
CALDWELL, Helen. “O que há num nome?”. O Otelo brasileiro de Machado de Assis. Tradução: Fábio Fonseca de Melo. Rio de Janeiro: Ateliê Editorial, 2002, p. 55-90.
FREITAS, Luiz Alberto Pinheiro de. “Capitolina, a que ama no lugar do outro”. Freud e Machado de Assis - Uma interseção entre Psicanálise e Literatura. Rio de Janeiro: Editora Mauad, 2001, p.122- 137.
NASCENTES, Antenor. Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa: Rio de Janeiro: São José, 1952.
6. PLATÃO. “Crátilo”. In Teeteto-Crátilo. ed. 3. Belém: EDUFPA: 2001.
[1] HOUAISS, Antônio. Dicionário Eletrônico Houaiss da língua portuguesa 1.0. 1 CD- ROM.
2 comentários:
Oi!
Sou aluna do curso de Letras e estou pensando em fazer um trabalho sobre onomástica. Nas minhas pesquisas acabei encontrando teu trabalho. Parabéns! É sempre bom ler artigos de outros alunos para termos uma idéia de como estamos indo.
Você teria alguma referência sobre livros que tratam de onomástica para me passar? Obrigada.
Juliana Rocha
Tenho mestrado em Letras e, ultimamente, venho me interessando pela semântica dos nomes de personagens em narrativas literárias.Considero que, tanto quanto em Machado, a construção da antroponímia nas narrativas barretians náo se faz por acaso. A onomástica de seus contos e romances parece carregar um forte sentido social e cada personagem fala e se mostra através de sua configuração anroponímica. Será que já existem estudos mais apurados e mais específicos sobre tal tendência na obra de Lima barreto? (Carlos P. de Almeida)
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