segunda-feira, 17 de setembro de 2007

As notícias e o mel (Marina Colasanti /Uma idéia toda Azul)

Um dia o rei ficou surdo. Não
como uma porta, mas como uma
janela de dois batentes. Ouvia tudo do
lado esquerdo, do direito não ouvia
nada.
A situação era incômoda. Só
atendia aos Ministros que sentavam
de um lado do trono. Aos outros, nem
respondia. E até mesmo de manhã, se
o galo cantasse do lado errado, Sua
Majestade não acordava e passava o
dia inteiro dormindo.
Foi quando mandou chamar o
gnomo da floresta, e o gnomo,
obediente, apareceu na corte.
Veio
voando com suas asinhas, tão
pequeno que, embora todos
estivessem avisados da sua chegada,
quase o confundiram com um inseto
qualquer.
Chegou e logo se entendeu com
o rei, estabelecendo um trato. Ficaria
morando no ouvido direito e repetiria
para dentro, bem alto, tudo o que
ouvisse lá fora. Tendo asas, e
desejando, poderia aproveitar seu
parentesco com as abelhas para
fabricar, no ouvido real, alguma cera e
um pouco de mel.
O trato funcionou às mil
maravilhas. Tudo o que o gnomo
ouvia, repetia em voz bem alta nas
cavernas da orelha, e o eco e a voz do
gnomo chegavam até o rei, que
passou a entender como antigamente,
de lado a lado.
Correu o tempo. Rei e gnomo,
assim tão vizinhos, foram ficando cada

dia mais íntimos. Já um sabia tudo do
outro, e era com prazer que o gnomo
gritava, e era com prazer que o rei
ouvia o zumbidinho das asas
atarefadas no fabrico da cera e domel.
Uma certa doçura começou a
espalhar-se do ouvido real para a
cabeça, e o rei foi ficando aos poucos
mais bondoso. Um certo carinho foi se
espalhando da caverna real para o
gnomo, e ele foi ficando aos poucos
mais bondoso.
Foi essa a causa da primeira
mentira.
O Primeiro Ministro deu uma má
notícia no ouvido esquerdo, e o
gnomo, não querendo entristecer o
rei, transmitiu uma boa notícia no
ouvido direito.
Foi essa a primeira vez que o rei
ouviu duas notícias ao mesmo tempo.
Foi essa a primeira vez que o rei
escolheu a notícia melhor.
Houve outras depois.
Sempre que alguma coisa ruim
era dita ao rei, o gnomo a
transformava em alguma coisa boa. E
sempre que o rei ouvia duas notícias
escolhia amelhor delas.
Aos poucos o rei foi deixando de
prestar atenção naquilo que lhe
chegava do lado esquerdo. E até
mesmo de manhã, se o galo cantasse
desse lado e o gnomo não repetisse o
canto do galo, Sua Majestade
esquecia-se de ouvir e continuava
dormindo tranqüilo até ser despertado
pelo chamado do amigo.
De um lado o mel escorria. Do
outro chegavam as preocupações, as
tristezas, e todos os ventos maus
pareciam soprar à esquerda da sua
cabeça.
Mas o rei tinha provado omel e a
doçura era agora mais importante do
que qualquer notícia. Entregou o trono
e a coroa para o Primeiro Ministro.
Depois chamou o gnomo para junto da
boca e murmurou-lhe baixinho a
ordem.
Obediente, o gnomo voou para o
lado esquerdo e, aproveitando seu
parentesco com as abelhas, fabricou
algum mel, e abundante cera, com
que tapou para sempre o ouvido do
rei.

Um comentário:

JANETT disse...

Olá!!!
Adoro esse conto,pois trata-se de um conto fantástico.Isso faz o adolescente inserir-se na história,colocando-se num contexto familiar,ou seja,paralelo com o seu cotidiano.E também é uma maneira de viajarmos via literatura.
Abraço!!!!
Janett